3. O NOVO TESTAMENTO

Conteúdo do Novo Testamento. O Novo Testamento consiste em 27 documentos denominados “livros”, escritos no século I da era comum por pelo menos oito autores.

• Os Evangelhos. Os primeiros quatro livros, conhecidos por Evangelhos, são quatro pontos de vista sobre a vida e o propósito de Yeshua concernentes à “história da salvação” (o relato do envolvimento divino na história humana com propósitos salvíficos). O primeiro e o quarto evangelhos são atribuídos a dois dos 12 talmidim de Yeshua, Mattityahu e Yochanan. O segundo é atribuído a Marcos, que acompanhou outro dos talmidim de Yeshua, Kefa. O autor do terceiro evangelho foi Lucas, colaborador de Sha’ul.

A palavra portuguesa evangelho significa boas notícias. Portanto, em um sentido muito especial não existem quatro evangelhos, mas apenas um, ou seja, as boas notícias sobre quem Jesus é e o que ele fez. Todavia, cada evangelho apresenta essas boas notícias à sua maneira, da mesma forma que quatro testemunhas honestas de algum acontecimento darão versões próprias sobre o ocorrido. Pode-se dizer que Mattityahu pensava nos leitores judeus, ao passo que Lucas, aparentemente, escreveu para os gentios. A versão de Marcos é breve e repleta de detalhes sobre as personagens. Yochanan jamais perde de vista a origem celestial de Yeshua, apresentando-o claramente não apenas como Filho do Homem, mas como Filho de Deus.

Os três primeiros documentos são conhecidos por Evangelhos sinópticos (a palavra “sinóptico” significa “com o mesmo ponto de vista”), porque muitos acontecimentos são reportados em dois ou três deles, geralmente com linguagem similar ou mesmo idêntica. Estudiosos têm tentado explicar as diferenças e as similaridades dos sinópticos afirmando que um escritor teria copiado do outro, ou, de forma mais sofisticada, que dois ou os três tiveram acesso direto ou indireto a algum tipo de fonte oral ou escrita.

• Atos. Lucas também é o autor de “Atos dos emissários”, que poderia ser chamado “Lucas, parte 2” (v. os versículos de abertura de Lucas e Atos). Este livro, protagonizado por Kefa e Sha’ul, emissários de Yeshua, descreve a história do início da comunidade messiânica (e.c.30 – 65e.c.), inicialmente em Yerushalayim, onde a confiança neotestamentária era um assunto estritamente judaico, e quando o evangelho espalhou-se por “Y’hudah, Shomron e até os confins da terra”, isto é, Roma, a antítese pagã de Yerushalayim. Um dos propósitos do livro de Atos é provar que os gentios podem se tornar messiânicos sem a conversão ao judaísmo. (É irônica a opinião popular atual requerer a aplicação moderna do livro de Atos para demonstrar que os judeus podem tornar-se messiânicos sem a “conversão” ao que se tornou conhecido por uma religião diferente, o cristianismo.)

• Cartas de Sha’ul. O restante do Novo Testamento, com exceção do último livro, consiste em cartas. As primeiras 13 são de Sha’ul, o “emissário aos gentios”. Cinco delas foram endereçadas a comunidades messiânicas situadas na Grécia — Corinto (duas cartas), Filipos e Tessalônica (a Salônica moderna) duas cartas; duas, à comunidades na Turquia — Galácia e Éfeso; e duas, à comunidades estabelecidas por outros — Colossos (nas proximidades de Éfeso) e Roma. Essas nove cartas tratam de assuntos referentes ao comportamento e às crenças das várias comunidades messiânicas. Das quatro restantes, conhecidas por cartas pastorais, três foram escritas para seus auxiliares Timóteo (duas cartas) e Tito; e uma, para um amigo chamado Filemom, que lhe pede que receba de volta, como irmão liberto, um escravo fugitivo.

• Cartas gerais. Em seguida, vem a “carta a um grupo de judeus messiânicos”, também conhecida como “Hebreus”. Apesar de sua autoria ter sido atribuída a Sha’ul, Apolo, Priscila e Áquila, não se sabe ao certo quem a escreveu. Enviada para leitores judeus messiânicos, ela relaciona a nova dispensação trazida por Yeshua com temas do Tanakh. Em seguida, uma carta de Ya’akov, irmão de Yeshua e líder da comunidade messiânica de Yerushalayim; duas cartas de Kefa; três de Yochanan; uma de Y’hudah, outro irmão de Yeshua. Coletivamente, são denominadas cartas gerais, e o tema principal versa sobre assuntos de fé e prática.

• Revelação. O último livro do Novo Testamento é “A revelação de Yeshua, o Messias, a Yochanan”, que contém descrições das visões apresentadas pelo Messias ressurreto e glorificado ao emissário Yochanan (ou, segundo outros, a outro Yochanan). Também conhecido como Apocalipse, por descrever acontecimentos “apocalípticos”, desastres e intervenções divinas no fim dos tempos relacionados ao juízo final da humanidade. Contém mais de 500 citações do Tanakh e alusões a ele, e, mais que qualquer outro livro do Novo Testamento, relembra as visões encontradas nos escritos de Yesha’ahu (Isaías), Yechezk’el (Ezequiel), Z’kharyah (Zacarias) e Dani’el Algumas pessoas opinam que sua mensagem é aplicável a eventos futuros, outras a consideram a descrição de uma era iniciada há 2.000 anos, e ainda outras crêem que sua referência primária diz respeito a acontecimentos do século I e.c. Sua linguagem figurada dá margem a abordagens interpretativas bastante distintas e a qualquer combinação delas.

Linguagem do Novo Testamento. O Tanakh foi escrito majoritariamente em hebraico (partes de Esdras e Daniel foram compostas em uma língua semita aparentada, o aramaico), e a maior parte dos antigos manuscritos do Novo Testamento foi escrita em grego — não na linguagem clássica de Homero ou Platão, mas em koinê, a língua franca dos assuntos do cotidiano de todo o Mediterrâneo Oriental e do Oriente Médio do século I.

Entretanto, certo número de estudiosos, não a maioria deles, crê que porções do Novo Testamento tenham sido escritas em hebraico ou aramaico, ou tenham se baseado em fontes dessas línguas; diz-se isso especialmente a respeito dos quatro evangelhos, Atos, Revelação (Apocalipse) e várias cartas gerais. Além disso, Sha’ul, conquanto tenha escrito suas cartas em grego, mantinha claramente categorias hebraicas ou judaicas ao escrever. É um fato, demonstrado anteriormente, que certas expressões nos manuscritos do Novo Testamento não fazem sentido até que se perceba as expressões hebraicas subjacentes às palavras gregas.

Datação. Os primeiros livros do Novo Testamento, como as cartas de Sha’ul aos Galatas, Tessalonicenses e Coríntios (e provavelmente a carta de Ya’akov), foram escritos por volta do ano 50 e.c., cerca de 20 anos após a morte e a ressurreição de Yeshua. As outras cartas de Sha’ul são datadas entre os anos 50 e 60, os Evangelhos e Atos receberam sua forma final entre 65 e 85, e as outras cartas gerais e Revelação, entre os anos 65 e 100. Alguns estudiosos crêem que certos livros do Novo Testamento receberam sua forma final somente no princípio do século II.

O cânon. Além dos documentos que agora formam o Novo Testamento, existem outras versões escritas das boas-novas, outras histórias de acontecimentos na comunidade messiânica dos primeiros tempos, outras discussões sobre doutrina e prática e outros apocalipses. A própria comunidade messiânica dos anos iniciais exerceu o discernimento espiritual necessário para decidir quais livros reproduziam verdadeiramente a mensagem de Deus para a humanidade e quais eram criações inferiores, talvez de valor histórico ou espiritual, mas não inspirados por Deus. Citações dos livros do Novo Testamento também são encontradas no livro não-canônico Didaquê: ensino dos doze apóstolos (80-100 e.c.), apesar de a primeira lista dos livros do Novo Testamento ter sido compilada pelo herético Marcião por volta do ano 150 e.c. Esta consequência do erro certamente estimulou o desenvolvimento do cânon ortodoxo, como aparece no Fragmento Muratório no fim do século II. Todavia, a mais antiga enumeração dos exatos 27 livros que constituem o Novo Testamento atual, sem adições ou omissões, é a 39ª. cana pascal de Atanásio (367 e.c.). Ainda que a lista seja tardia, os livros foram usados nas congregações messiânicas a partir da data de sua composição, da mesma forma que os livros do Tanakh integraram o judaísmo séculos antes de o cânon ter sido determinado com a devida autoridade no Concílio de Yavneh (c. 90 e.c.) pelo rabino Yochanan Ben-Zakkai e seus associados.

Tradição e erudição. O material introdutório encontrado anteriormente reflete o pensamento da corrente principal da erudição conservadora a respeito do Novo Testamento, e confirma a maior parte dos conceitos tradicionais sobre esses assuntos. Entretanto, há mais de dois séculos a autoria de todos os livros tem sido questionada, bem como a datação e a historicidade da maior parte dos acontecimentos (da mesma forma que aconteceu com o Tanakh).

O debate continua, apesar de os fatos lhe imporem certos limites: por exemplo, existem manuscritos de porções do Novo Testamento que datam da primeira metade do século II, desqualificando as sugestões mais tardias de que o Novo Testamento tivesse sido escrito 200, 300 ou 400 anos depois de Yeshua. Também algumas críticas baseiam-se em pressuposições aparentemente objetivas, mas que são na realidade de caráter religioso e opostas às afirmações da Bíblia, a fim de determinar conclusões negativas a priori — e.g., uma cosmovisão “científica” ou incrédula na possibilidade de milagres e desconfiada da habilidade dos escritores antigos de distinguir elementos reais de imaginários; ou, ainda, a tese não comprovada de que as comunidades messiânicas originárias alteraram os relatos a fim de encaixá-los no molde desejado.

Apesar de algumas questões não resolvidas, vários estudiosos respeitados crêem que os autores tradicionalmente apontados são os escritores reais e que as datas mais antigas estão corretas e mais importante ainda: Yeshua realmente viveu, “morreu por nossos pecados […] e […] ressuscitou ao terceiro dia, de acordo com o que diz o Tanakh”.

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